Minha Vida Comigo
4.06.2002
 
Capítulo 09 - escrevo, logo,existo. até o cap. 12

Minha memória é muito confusa. Quando eu lembro o que, esqueço o quando; quando me lembro quem esqueço onde. Não me pergunte por quê.

Isso faz com que cada reencontro com pessoas do passado seja um momento de desconforto, porque nunca me lembro o nome da pessoa, de onde a conheço ou o que ela faz. É ridículo dizer mas é como se a cada manhã que eu acordasse eu estivesse não num outro capítulo mas num outro livro!

Por tudo isso não sei dizer em que ano comecei a escrever pra valer mas tenho certeza antes de começar a escrever eu aprendi a gostar de ler.
Como diz a letra de Caetano na música Livros, Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa.

Assim, eu lia alguns livros do meu avô, de autores como AJ Cronin, ou o que aparecia via minha irmã, como os poemas de J. G. de Araújo Jorge, famosos nos anos 60, todos os romances de José Mauro de Vasconcelos, o nosso Paulo Coelho da época. Todos encontráveis na Web de hoje.

Lendo tanta porcaria eu só podia dar no que dei.
E por ler tanta coisa romântica e sentimental, eu ficava com a impressão de que escrever era sofrer e por isso eu escrevia as mesmas bobagens.
Cometi alguns poemas, dos mais venezuelanos aos filhotes de Décio-Haroldo-Augusto. Já tentei fazer alguns haikais, sem sucesso.
Não sei se já escrevi sobre esses poemas antes, nesse mesmo livro, mas lembro que eu já avisei que sou esquecida no começo deste capítulo. Talvez eu esteja melhorando, vai saber.

Uma vez um poema me acometeu logo depois uma quase-colisão frontal entre meu carro, saindo do analista e um carro na contra-mão numa rua estreita de mão única, isso já nos anos 80.

Chegou assim,mais ou menos, recriado agora:

Eu ía na minha,
Ele vinha na dele,
ele na contra
eu na mão.
Até que então
quase!
Ufa, não!
Frente a frente animais iguais
mostram dentes
Bons sinais.
Trocamos sorrisos,
Nada mais.

Nessa mesma década de 80, segunda metade, um poema concreto e minimalista me agarrou no meio do mato em que eu andava, ouvindo o som da água borbulhando ao longe e pensando...

riacho
acho


Ok, eu já fiz coisas melhores e também piores. Quem quiser arriscar, poderá ler alguns, gentilmente publicados no site CantinhoDoSala.
Mesmo sem entender nada do mundo e da vida, eu tinha consciência de que algumas coisas eram absurdas. Lembro de um diário onde colei uma notícia horrível do assassinato de Sharon Tate, mulher de Roman Polanski, que foi assassinada aos 26 anos, no 8o.mes de gravidez, por um louco , Charles Mason, junto com outras 4 pessoas. Isso foi em 69.

Além do crime pessoal, nessa mesma época, eu escrevia neste mesmo diário que se eu pudesse ter um único desejo realizado naquele dia seria para que a guerra do Vietnã acabasse... E pensar que o presidente Bill Clinton acabou de visitar o Vietnã, 25 anos depois do fim da guerra. Entre 69 e 75 muita gente ainda morreria sem que eu pudesse avaliar.

No começo dos anos 70 fui morar no Canadá e interrompi meu hábito de escrever para viver uma nova vida, em outra língua, num outro mundo. Em pouco tempo em já conseguia escrever bem em inglês, fazer piadas e brincar com as palavras.
Assim que voltei ao Brasil descobri esse seria o meu caminho natural, tão integrado a minha vida que eu nem percebia sua importância.

Muita gente guardava as cartas que eu escrevia, meus amigos ficavam emocionados até com as mensagens mais simples de cartões de aniversário ou de fim de ano.
Acontece que no mundo alfanumérico em que vivemos, também os números me interessavam muito. Eu não sabia como optar entre as ciências ligadas à matemática e à literatura. Tudo era bom, tudo era interessante. Acho que por isso acabei estudando Física, porque é algo entre a filosofia e as ciências exatas.

Mesmo na Física eu escrevia. Eu escrevi a letra do samba que representava o Instituto de Física da USP para os estudantes da segunda metade dos anos 70. Tinha a mesma proposta das letras mnemônicas dos cursinhos, sem que eu soubesse disso. As frases tinham fórmulas nas frases, um amontoado de bobagens, mas os alunos gostavam. virou um hino da física daquela época. Quem quiser expiar pode clicar aqui; os sensatos prosseguirão.

Tive que fazer muitos textos chatos para sobreviver, como traduções técnicas do inglês para o português. Eu já traduzi textos sobre armazenagem de grãos em navios, parafusos das plataformas de petróleo em alto mar, letras de músicas. Traduzi artigos internacionais para o jornal O Estado de São Paulo em máquina de escrever mecânica, na calada da noite. Levei muitos anos trabalhando em 3, 4 e até 6 empregos ao mesmo tempo, sempre escrevendo, criando, fazendo piadas, até conquistar o direito e o saldo suficientes para poder escrever o que eu bem entendo. Como o leitor bem sabe, já paguei todos os tipos de preço pelo que escrevo também. Não me arrependo de nenhuma prosa que escrevi, só de alguns versos. Poesia, quando dá de ser ruim, sai da frente.

Escrever dá trabalho. Cansa. Demora. Evidentemente qualquer estivador vai achar isso uma solene viadagem, assim como carvoeiros, pedreiros, faxineiros, motoristas de ônibus e todas as demais profissões que exaurem fisicamente qualquer um que a pratique.

A diferença é que nem todo mundo se acha capaz de ser lixeiro e correr 40 quilômetros por dia, mas todo mundo acha que pode escrever. Poder, pode tudo. Uma coisa, porém,é escrever de vez em quando, sem compromisso, particularmente. Outra coisa é escrever durante 30 anos todos os dias, profissional e publicamente.
Eu não imaginava que viveria disso, mas quando tirava dez nas redações e representei meu colégio numa olimpíada de redações para escolas públicas de São Paulo, comecei a acreditar que havia alto no que eu produzia com a caneta e o papel.
Acontece que eu era teimosa, metida, arrogante, males que até hoje me perseguem e dos quais tento correr quando não estou com muita preguiça.

Foi a capacidade de escrever que me salvou quando decidi não fazer doutoramento em física e dedicar-me a outra coisa qualquer. Passei a escrever e nunca mais deixei de praticar este esporte.

Como diria aquele português bem sucedido com seu bordel de três andares com viados no térreo, putas velhas no mezanino e putas novas na coberta, no começo foi difícil: era eu, minha esposa e minha filha a trabalhaire. Por melhor que se escreva, cada texto tem sua técnica, seu estilo e a gente não aprende essas coisas do dia pra noite e muito menos na faculdade de comunicação ou jornalismo.

Quando entrei para a televisão como roteirista, em 83, eu não sabia o que estava fazendo. Mas peguei um roteiro pronto e comecei a copiar sua estrutura. As páginas divididas em duas colunas, com as indicações técnicas na esquerda e o texto falado na direita. Aprendi depois que o termo para essas indicações é 'rubrica'. Vinhetas de ida e volta, aplausos do auditório, música de fundo, nomes das pessoas e demais informações para que o operador do Gerador de Caracteres coloque tudo no vídeo.
Um roteiro de televisão é uma mistura de texto técnico com a parte artística. A produção faz cópias e mais cópias e distribui para todo mundo da técnica, produção, controle, etc. Dá uma sensação muito grande de responsabilidade pois seus erros serão vistos e comentados por todos os profissionais envolvidos.

Aqui começa uma jornada tão longa que eu acho melhor começar um capítulo novo, o capítulo dez, com todo ar solene que um número redondo e básico como este merece.


Capítulo 10- tubo de raios catódicos

Como entrei para a televisão? Muita gente já me perguntou isso não tanto por interesse em relação a minha história mas sim pela vontade de descobrir uma porta de entrada pela qual a pessoa também possa pertencer a este mundo tão desejado, o da fama nacional.

Entrei para a televisão por acaso. Por alguma razão inexplicável Deus parece gostar de dar as coisas a quem não pede e dificultar o caminho pra quem procura.

Em 82 eu trabalhava numa produtora composta por duas empresas a RMC Comunicação, do jornalista e empresário Roberto Muylaert e a Editevê, do publicitário e hoje presidente da NewCommBates, Walter Longo. A Editevê e a RMC foram contratadas para produzir o novo programa do Clodovil para a rede Bandeirantes. Não era só outro milênio era outra mentalidade. A Aids mal tinha surgido no Brasil e um dos primeiros convidados, o Marquito, já estava doente e viria a ser uma das primeiras vítimas fatais pouco tempo depois.

Comecei a freqüentar as reuniões na TV Bandeirantes e não fazia idéia de onde estava ou de quem eram as pessoas que estavam ao meu redor. Pouco tempo depois eu saberia que eram pessoas importantes no mundo da televisão, como Maurício Sherman, Roberto Talma, o cenógrafo Cyro del Nero, entre tantos outros. A secretária do Sherman e da produção era simplesmente, uma maranhense chamada... Marlene Mattos.
Por não ter nenhum compromisso com o ambiente, eu dizia o que pensava e dava meus palpites. As pessoas achavam graça em tudo que eu dizia. Eu tinha 25 anos e era muito esperta e a impressão que as pessoas tinham sobre a minha cabeça era a mesma que as pessoas tem do corpo da Luize Altenhoff... Claro que eu trocaria meu Q.I. pelas medidas da moça, mas ninguém pediu minha opinião. Cada um nasce de um jeito e pronto.

Um dia, o Sherman disse que eu deveria ficar trabalhando na tv e não na produtora. Me fez uma proposta salarial impressionante para uma principiante. Eu não sabia que ganhava tão mal, embora eu tivesse uma vaga idéia pelo padrão de vida de classe pobre alta que eu levava. O salário inicial era, simplesmente, 3 vezes o que eu ganhava na RMC Editevê. E, claro, eu disse, sim.

Se eu soubesse o que era trabalhar com o Clodovil, talvez eu tivesse dito não, mas como eu disse, eu não sabia de nada de nada.

Para você fazer uma idéia, isso era o final de março de 83. Eu tinha me casado, na igreja, no cartório, no começo de março. E vinte e nove dias depois, por causa de uma paixão instantânea na tv, estaria separada.

Quando meu álbum de fotos do casamento ficou pronto, eu já estava morando em outra casa, com outro homem e entrando no meu segundo casamento.

Meu marido odeia que eu conte publicamente esses fatos. Ele é o grande amor da minha vida, o homem com que viverei eternamente. Mas não posso negar tudo o que fui ou fiz e se eu o encontrei e sou feliz, devo confessar que o método usado foi o da tentativa e erro. Para amenizar, eu casei oficialmente duas vezes, no cartório. Mas como eu tenho um filho com um terceiro marido com quem não casei, acho que devo contabilizar todos. Diante do tribunal, eu teria que dizer que embora este seja o verdadeiro e definitivo, este é meu quinto casamento.

Se os pedidos forem muitos, posso abrir um capítulo especial para este tema, mas só se a pressão for insuportável. Já contei isso várias vezes, uma vez até na TV e o Isaac ficou muito P. da vida comigo. Em compensação, a audiência da Silvio Poppovic aumentou bastante.

Trabalhar com o Clodovil era difícil. Inacreditavelmente, eu viria a trabalhar com ele em outras duas ocasiões. O cenário era transbundante, com uma escadaria majestosa e centenas de luzes sob os degraus, a mesa tinha luzes embaixo. As gravações eram intermináveis, dez, doze horas. Os câmeras e todos os profissionais da técnica, tinham que usar um uniforme desenhado por Clodovil, com sua griffe. Muitas vezes fui posta para fora do estúdio. Mas deixa pra lá, vai ver a culpa era minha mesmo.

O programa estreou com um pico de audiência de 24 pontos. Todos celebraram, foi um sucesso. Mas televisão é uma coisa instável e o programa logo saiu do ar.
Eu, fiquei. Era roteirista, trabalhava muito, tinha idéias, estava cheia de energia e todos gostavam de mim. Assim, fui ser roteirista do J.Silvestre, que tinha dois programas na Band, o "Essas Mulheres Maravilhosas" e o "Programa J. Silvestre".
Eu escrevia os dois. E todas as semanas, passava duas noites em claro, de domingo pra segunda e de segunda pra terça. Eu só dormia mesmo na quarta feira `a noite.
Além desse emprego, eu também escrevia todo o jornalismo da rede Antena 1 de rádio. Às cinco da manhã eu comprava todos os jornais na banca, lia tudo, selecionava as notas, e fazia cinqüenta e dois textos curtos e divertido misturando humor e notícia. Até hoje faço isso no Farofa. Eram umas 15, 20 laudas por manhã, que um boy da rádio vinha buscar , copiava e mandava para as 8 emissoras da Rede. O salário era ridículo, mas eu precisava de todas as migalhas.

Os dois programas eram ao vivo e a gente tinha que trabalhar o dia todo, escrever todo o roteiro e à noite, estar junto na gravação. O diretor do J. Silvestre era o João Lorêdo, grande diretor de televisão, irmão do Jorge Loredo, o Zé Bonitinho. Em 2000, João Lorêdo escreveu um livro sobre Tv, o primeiro de uma série, segundo ele mesmo disse. Que Deus lhe dê longa vida.

"Essas mulheres maravilhosas" era um show, com produção pra valer. Não é como esses programas que só levam o pessoal que está com 'música de trabalho' e circulam com seus assessores em todos os canais. Os convidados eram selecionados com critério, e as costureiras faziam o figurino de todo o 'balé'. Sim, o programa era ao vivo, tinha orquestra, maestro (Carlinhos e depois, o Briamonte) , corpo de baile, figurinos. Era um show de verdade. E tudo funcionava.
Foi num desses programas que a então Maria da Graça Meneghel foi contar ao Jota sobre seu namorado, o Pelé. E aí, ela conheceu a Marlene Mattos. Eu vi esse caso nascer, bem ao meu lado.

O outro programa, o "Programa J. Silvestre", tinha aquele famoso quadro do "Céu é o Limite" e o "Esta é sua Vida.". Eu escrevi muitos, muitos desses quadros, e acredite, é um pé no saco. Muito difícil mesmo. Por quê? Porque você tem que conhecer toda a vida do entrevistado e redigir uma história emocionante, que consiga contar todos os pedaços relevantes, de acordo com os convidados que aceitara participar! E aí, se a professora ou os colegas de classe do artista não viessem, como é que você ía enfiar a vida escolar dele, sem nenhum representante?
Era uma loucura. As pessoas confirmavam e desconfirmavam a todo instante e eu tinha que mudar o texto. Nota: não tinha computador. Era máquina de escrever, com tipos grandes e pesados, mecânica, e dá-lhe tinta branca e correto carbex pra mudar tudo.
Felizmente, o pequeno apartamento onde eu morava, que nem era meu, tinha um toque de modernidade para a época: secretária eletrônica.

Lá eu pegava os incessantes recados de gente que ía e vinha e mudava todo o meu roteiro.

Sem dormir, às 8 da manhã, o texto estava pronto para ser levado para a emissora. E aí, tinha que passar pela aprovação do apresentador.
Teve um dia que o texto ficou uma M. E o Jota ficou P. Faltavam 5 horas pra o programa e eu disse a ele que poderia fazer todo o texto rimado, como literatura de cordel, já que o convidado era pernambucano. Ele disse que eu jamais conseguiria. Eu pedi pra tentar.

Escrevi tudo. Ficou lindo, uma obraprima. Ele adorou. Foi ao ar e foi um sucesso. TV tem esses momentos bacanas.

Tive outro. Logo no começo do meu trabalho como J. eu tive que fazer um texto em off para uma campeã paraolímpica de natação. A menina não tinha as duas pernas. E o vídeo mostrava-a atravessando uma piscina de 50 metros só com braçadas.

Fiz um texto muito emotivo. Jota leu. O povo ficou emocionado. Choveram telefonemas com doações pra ela. Até um apartamento ela ganhou, fora o dinheiro. Nesse dia, senti o peso do texto, da emoção, da leitura, da música e o resultado que causam no ímpeto da generosidade do telespectador. Se o texto fosse ruim, ou mal interpretado, ela não receberia nada. Mas foi bom e ela ganhou uma super grana.
O pior estaria por vir. Um produtor, que era manco de uma das pernas, roubou todo o dinheiro da menina sem pernas e fugiu. Eu aprendi a escrever melhor e desconfiar até da minha sombra. Em Tv, ninguém é bonzinho. E os que são, disfarçam, pra não assustar os outros.

Depois da Bandeirantes eu comecei aquela roda vida dos profissionais de TV. Trabalhei em todas as emissoras. No SBT, duas vezes, como redatora do Moacir Franco, no programa "A mulher faz o show" e no "Viva a Noite". Eu era a redatora do Gugu. Ele gostava muito de mim e em várias outras ocasiões, trabalhei com ele. Ele chegou a comprar um horário na Rede Record, nos final dos anos 80 e me deu o programa para dirigir, o "Casa Mágica", apresentado por Silvinha, então sua secretária de palco e o Allan, do então Polegar.

Na Gazeta, fui redatora do Beto Rivera no Clip Trip.
Na Manchete, escrevi para o Osmar Santos, no Osmar Santos Show, dirigido por Nilton Travesso.

Na Globo, fui redatora do Faustão, logo no começo do programa, fui colaboradora do Cassiano Gabus Mendes na novela das 8, Champagne, e nos anos 90, fui redatora do Sai de Baixo, pelo núcleo de São Paulo, dirigido por Flávio de Souza, meu amigo.
Trabalhei 8 anos na TV Cultura no departamento infanto juvenil. Escrevi o Glub Glub, o Revistinha, o X-Tudo durante anos, entre outros programas.
Fui diretora da Rede Mulher, criei e apresentei o Via Satélite durante anos, fui apresentadora do Fala,Brasil na Rede Record.

Fui roteirista do Telecurso 2o Grau na Fundação Roberto Marinho.

Mas quero falar da experiência de escrever novela. Não sei porque até hoje não me contrataram como autora de novelas, mas entendi por que é tão difícil entrar.
Na época, meu então marido, o segundo, Luciano Ramos, tinha ótimas relações com a Rede Globo. Ele já havia trabalhado com o Avancini na séria Avenida Paulista e chefiava os roteiristas.

Ele soube, por alguém da agência da Globo, a house deles, que estavam procurando um colaborador para a novela das 8. Havia um teste.

Luciano então, pediu para que eu escrevesse uma cena com mulheres. Escrevi. Ficou muito legal, tinha um bom movimento de cena, diálogos divertidos. A cena iria ao ar tempos depois, com três mulheres na sauna.

O texto foi aprovado e fomos ao Rio de Janeiro fechar contrato com a Globo com o Mario Lucio Vaz. Abrimos uma empresa de textos, a extinta Verso & Prosa. E, como ele viria a demonstrar mais tarde, sua ambição pessoal era maior do que sua solidariedade e vontade de ser verdadeiro. Aprovado o meu texto, ele combinou que...só o nome dele apareceria nos créditos como colaborador do Cassiano Gabus Mendes.

Eu, idiota, deslumbrada com a oportunidade, nem reclamei.
Escrevíamos um ou dois capítulos por semana. Toda sexta-feira, íamos ao apartamento do Cassiano para pegar o 'menu' do capítulo.

Era divertido e senti o poder da produção da Globo. Nunca vou esquecer de uma cena que criei para a Lúcia Veríssimo e o seu namorado, esqueci quem era agora, não sei se era o Irwing São Paulo, ou alguém parecido com o Marcos Palmeira. A indicação era de que a personagem da Lúcia estava em dúvida entre ficar com seu verdadeiro amor pobre, Tony Ramos ou ficar com o moço rico que queria casar com ela.
Imaginei a Lucia deitada no convés de um lindo barco. O namorado ía mergulhar e ela ficava tomando sol e sonhando acordada. Lembrava dos beijos do Tony Ramos, sonhando. Até ser subitamente acordada dos sonhos pela realidade, quando seu namorado saía da água e subia no barco, assustando-a.

Essa era a decisão: sonhar acordada com um amor verdadeiro e sem perspectiva ou ficar com aquele moço rico, que lhe prometia viagens pelo mundo e uma vida de sonhos...

Um mês depois, vejo a cena na TV: um super barco em Angra dos Reis, super produção para a cena, super direção. Levei um susto e vi que a produção da Globo é muito maior do que o que a gente põe no sulfite.
Cassiano gostava do nosso trabalho, mas usava nossos textos para treinar seu próximo colaborador. Ele já tinha um amigo que o ajudava, o Luis Carlos Fusco e ele acabou ficando com o trabalho seguinte.

Como free lance, Cassiano me deu uma tarefa que hoje não seria capaz de fazer. Mas na época, fui.

Um sabão em pó, decidiu produzir livros de cem páginas com versões romanceadas e condensadas de várias novelas de Cassiano, como as Locomotivas e outras mais.
Fui escalada para fazer o romance resumido. E de repente, entregaram na minha casa, pilhas imensas com mais de 150 capítulos para eu ler tudo e...transformar em 100 páginas de romance.

Construí uma carpintaria digna de James Joyce para fazer Ulysses, que se passa em um dia. E os livros saíram. Lembro do meu orgulho ao passar com o carrinho no supermercado e ver meus textos condensados em romances encartados nas caixas de sabão em pó. Sem meu nome, claro, era trabalho de ghost.
Essa é uma das agruras de quem escreve. Poucas vezes a gente pode assinar ou contar a autoria. Em geral, escrevemos, recebemos e pronto. Não tem marketing pessoal, é só prestação de serviço.

Nunca redigi uma bula de remédio mas deve ter sido uma das poucas tarefas que não passaram pela minha vida de escriba. Escrevo rápido, teclo bem, graças a uma caso do destino. Quando eu tinha 12 anos e fui morar no Canadá a datilografia era matéria obrigatória das escolas públicas do país e desde então nunca mais tirei as mãos do teclado, exceto para fazer tricô, crochê e sexo.

Fiz coisas maravilhosas e abomináveis sendo que uma das piores foi uma série de apostilas de parapsicologia para um dos muitos picaretas que rolam soltos por aí. A missão era reescrever e transformar em algo decente uma série de textos amadores do punho do próprio parapsicólogo que não sabia nem falar português direito, quanto mais escrever. Eu interferia tanto no que estava escrito, mudava tanto a gramática, os substantivos e até o conteúdo, que acredito ter contribuído em muito para a moderna parapsicologia nacional. Ou para sua destruição.

Eu mesma tinha esquecido mas outro dia, numa conversa, lembrei de um trabalho que eu fazia em priscas eras, para um programa de rádio do Gugu Liberato, numa rádio AM bem popular, cujo nome nem me lembro. O quadro tinha um nome piegas, um tema piegas e por mais inacreditável que pareça, nunca me saí tão bem num trabalho. Chamava-se "Cartas à mãe". Eu escolhia o tema, o assunto e fazia a carta do jeito que eu bem entendia. Era sempre um filho, uma filha, mandando uma carta emocionada à mãe, com uma confissão, um alento, uma queixa. Escrevi para mães jovens e velhas, presentes e ausentes, vivas e mortas. Eu me lembro de muitas cartas, embora não tenha registro de nada, porque o texto vinha sempre a partir de uma cena cinematográfica na minha cabeça.

Lembro-me de uma em especial, que tratava do tema filho adotivo. A cena começava com um rapaz, que aos 18 aos descobre através de um parente, que é filho adotivo. Foi adotado quando bebê e nunca conheceu sua mãe biológica. Isso acontece o tempo todo no mundo e, em geral, o jovem fica revoltado, sente-se enganado e quer conhecer sua história verdadeira. Mas esse rapaz tinha uma relação com sua mãe que poderia ser resumida em quatro letras: amor. Aquele amor verdadeiro que tem o desprendimento suficiente para pensar não só em si, mas no ser amado, mesmo em momentos de grande intensidade como este.

O rapaz então, escrevia uma carta e deixava-a sobre a mesa da cozinha antes de ir para o trabalho bem cedo, para que sua mãe a encontrasse quando chegasse do emprego. Era mais ou menos assim:

Querida mãe,
Espero não ter assustado você com essa carta sobre a mesa. O coração da gente sempre fica sobressaltado quanto recebe uma carta inesperada. Mas fique tranqüila, está tudo bem.
Estou escrevendo porque a carta tem um poder diferente de uma conversa. A conversa, acontece entre duas pessoas, no mesmo lugar e no mesmo momento. A carta acontece em momentos diferentes, lugares diferentes e por isso, a pessoa que escreve e a pessoa que lê têm tempo para pensar e compreender melhor as coisas.
Sou um homem feito, mãe, um rapaz de dezoito anos. Trabalho o dia todo, estudo à noite e a cada dia sinto-me mais forte e mais preparado para o futuro. Sei que você sente orgulho das minhas boas notas e diz pra todo mundo que sou o melhor filho do mundo. Eu sempre brinco com você dizendo que você só fala isso porque eu sou seu filho único e assim, você não tem ninguém melhor pra comparar. Mas é só uma brincadeira, eu sei que você me ama de verdade.
Sempre fomos muito apegados mãe, mas um rapaz cresce e vai ficando um pouco mais longe de sua mãe. Hoje, nos vemos pouco. Trabalho o dia todo, estudo à noite, jogo bola no fim de semana, saio com os amigos e já não nos vemos tanto como antigamente.
Mas ainda percebo seu afeto em tudo o que você faz por mim. No botão da camisa que cai e aparece novamente como que por mágica. Na mesa posta que encontro quando volto de madrugada e a comida fresca no fogão. No tênis lavado e secado ao sol e no seu rosto atrás da cortina da janela a espreitar minha chegada.
Você faz isso tudo por mim há dezoito anos, mãe, sem nada pedir em troca.
Mas hoje, é a minha vez de fazer desses pequenos milagres por você. Hoje, eu quero liberar seu coração de um fantasma antigo, de um medo tão velho, que já pode descansar para sempre...
É verdade, mãe, o dia que você tanto temia, aconteceu: eu sei que sou seu filho adotivo.
Ao dizer isso, meu coração fica apertado só de pensar que você pode estar chorando, mas por favor, mãe, avise essas lágrimas que elas são de alegria, de alívio. A dor acabou. O medo acabou. Não há mais riscos, mãe. Eu sou seu filho, seu único e verdadeiro filho e ninguém poderá tirar isso de mim.
Não importa quem me gerou, como me gerou, isso não faz a menor diferença. Porque minha vida começou no dia em que você me pegou em seus braços. Neste dia, você imaginava que estava adotando um bebê, mas era eu que estava ganhando uma mãe.
A mais maravilhosa, corajosa, a mais forte mãe do mundo. Uma mulher que tem o dom mais divino deste universo, o dom do amor verdadeiro. Aquele que não pede nada. Que corre todos os riscos.
Os riscos se foram, mãe. Se um dia, ou se em mil dias, você teve medo da minha revolta quando eu descobrisse esse fato, se um dia ou se em mil dias você pensou em me contar e voltou atrás, tudo isso acabou hoje.
Por isso, vamos seguir nossa vida como sempre foi. Hoje à noite, quando eu chegar da escola, quero encontrar o meu prato no mesmo lugar na mesa, com o garfo grande que eu gosto e com a faca ao lado, como um ponto de exclamação, feliz com minha chegada.
Não é preciso mudar nada, porque não há o que mudar no afeto verdadeiro. A única coisa que muda é que o seu coração já pode ficar tranqüilo. Não há mais nada a temer, não há segredo a manter.
E não fique preocupada agora que você já sabe que eu sei, se eu vou querer procurar a mãe que me pôs no mundo. Eu tenho você, mãe, a única mãe do mundo pra mim, a única que conseguiu, durante 18 anos de amor, conquistar o direito de ser, a minha mãe, verdadeira.
Um beijo do seu filho, para sempre,
Antonio.




Capítulo 11- Como, logo, não resisto!


Hoje de manhã acordei morrendo de fome, aquela fome de lua-de-mel, de férias na praia, de pré-adolescente em crescimento. Fui para a mesa do café da manhã e encontrei lá, a minha ração diário de dieta: meio mamão papaya-mirim, do tamanho de uma noz, uma xícara de chá sem açúcar e uma fatia de pão preto com grãos, torrada e recoberta por uma fina camada de ar.
Para fazer o café franciscano render, comi o mamão com uma colherinha de mexer cafezinho, bem pequena, assim, fiquei com a sensação de que o mamão era maior e gastei algumas calorias na luta contra a fruta. Depois, sorvi o chá em micro-goles enquanto comia 'a' fatia de pão, molécula por molécula.
Não estranhem se eu estiver de mau humor a essas horas, mesmo porque não foi o primeiro dia. Foi o vigésimo quarto, comendo esta mesma coisa. Minto, em geral como meia grapefruit azeda no lugar do mamão.
E por que faço isso? Porque me odeio? Porque estou fazendo um 'No Limite' na minha casa? Não. Faço isso porque estou na minha nonagésima nona tentativa de emagrecer, o nonagésimo nono regime, dieta ou sacrifício.
Isso não seria nada se o cardápio para o almoço não fosse apenas e tão somente-só, uma saladinha de atum de lata com cebola. E nada mais.
Quem tem mãe gorducha, avó gorducha, parentes gorduchos, e uma tendência hereditária ao acúmulo de gordura sabe do que estou falando. Sou daquelas pessoas que tem dois problemas em relação ao corpo: facilidade de engordar e dificuldade de emagrecer.
Faço esporte sempre que posso e, neste exato momento em que escrevo, estou pensando em correio meia horinha ou fazer uma bicicleta ergométrica que está lá, magra e ereta me esperando na sala. Mesmo assim, queimo calorias com grande dificuldade.
Mas essa não é a regra da minha família. Tenho uma prima que sempre foi magra e come como uma louca. Sempre morri de inveja de gente que come o que quer e fica magro. Se um dia houver um progresso verdadeiro na ciência, será esse, o de poder comer com prazer, sem excessos, mas sem engordar. Hoje, que acostumei meu organismo a uma dieta espartana, se eu olhar para uma torta de chocolate, a menina do meu olho engorda!

Achei que eu não tinha mais força de vontade para passar pelas privações que estou passando. Não acreditava mais que eu fosse capaz. Surpreendentemente, estou conseguindo e já perdi 5 quilos, sem remédio, só na dieta alimentar.
Para conseguir seguir o cardápio tenho que fazer certos malabarismos horrorosos. Na segunda feira, levei uns frios de peito de peru para a lanchonete do prédio onde trabalho e, como uma traficante de mortadela, passei os frios pra gerente enfiar na salada que eles servem, sem constranger os clientes. Melhor ainda é lavar o tupperware com sabonete líquido no banheiro da empresa. Lindo, lindo.

Numa quarta-feira, a coisa pegou mais pesado. Era dia de almoçar dois ovos cozidos com salada de tomate, olha que apetitoso. Ah, e uma fatia de pão preto com grãos. Tive que cozinhar os ovos logo cedo, pra preparar a marmita no tupperware. Botei tudo numa sacola térmica, levei para o trabalho e guardei na geladeira. Nesse dia, eu tinha que participar do programa Mulheres, na Rede Gazeta, e quando saí da reunião o carro da emissora já estava me esperando na frente do prédio. Não tive dúvidas, peguei a minha sacola e entrei no carro.

Avisei o motorista que eu estava de dieta e se ele não se importasse, eu almoçaria no carro. Gentilmente ele disse que não havia problema. Havia, ele é que não sabia o que estava por vir. Eram quase 2 da tarde. Quando eu tirei a tampa do tupperware -bomba contendo dois ovos, cozidos ás 8 da manhã, uma nuvem de gás sulfídrico tomou conta do carro, do ar condicionado, e por um minuto não conseguimos nem respirar. Para não levantar suspeitas sobre a minha idoneidade e conduta gástrica, avisei que meu almoço eram dois ovos cozidos. Fui comendo os tomates, as gemas, o pão enquanto tentávamos dissolver o mal-estar. Sobrevivemos, ambos, mesmo porque ele não tinha que comer salada de atum à noite.

A parte boa é que está funcionando, a parte ruim é que eu estou sofrendo. Na agência onde trabalho, as reuniões são acompanhadas de uma linda bandeja de bolachinhas doces e salgadas que a Lú gentilmente traz para a sala. Em geral, tem café e água e às vezes, suco. Em alguns casos, tem pão de queijo e no final da tarde não é raro ter pipoca. Por sorte, não ligo pra pipoca e suco, mas eu sou chegada numa bolachinha de aveia.

Foi ela que me fez balançar essa semana. Lá estávamos nós, na reunião, meus colegas, meu chefe, minhas bolachas. Ato falho, As bolachas. Todo mundo comia normalmente e eu, ali, olhando a bolacha de aveia e pensando comigo mesma:
-"Pra que eu vou comer essa bolacha? Uma bolacha não vai resolver meu problema. Talvez, umas vinte bolachas, mas uma, não adianta nada. Uma bolacha não mata a vontade e nem a fome, nem sacia a libido. Claro, também não vai engordar, mas vai impedir que eu continue dizendo que estou seguindo a dieta à risca e não como nada fora das refeições. Eu até poderia ter comido a bolacha se eu fosse capaz de comer uma só. Depois que eu comesse a primeira, ía me sentir derrotada pela bolacha e ía comer todas as outras que ficaram como testemunhas.

Além das bolachas, adoro pão, adoro bala, especialmente as mastigáveis. Mas não sou uma pessoa louca por comida, só por guloseimas. Não ligo pra chocolate, não como sorvete porque não gosto. Mas fico babando diante de um saquinho de ursinhos Gummy Bears da Haribo. Aliás, eu adoro tudo da Haribo. E aqui, Freud explica. Começou na primeira infância. Venho de uma família alemã por parte do meu pai, imigrantes fugidos da primeira guerra, que começaram como todos, com uma mão na frente e outra atrás. Para trabalhar, meus avós logo tiraram as mãos da frente e fizeram dois filhos, entre eles, meu pai. Foram morar numa comidade alemã no bairro de nome Picanço, muito sugestido considerando-se o tema reprodutivo, no município de Guarulhos. Vida dura, de muito trabalho e pouco dinheiro. Porém, devido aos laços com a alemanha, de vez em quando alguém, uma prima rima, um tio abastado, trazia de presente para as quatro netas, entre elas eu, um saquinho de ursinhos da Haribo. Eu não sabia a marca na época, mas como os ursinhos eram divididos um a um, e guardados no cofre para serem comidos com parcimônia, eles viraram um objeto de desejo infantil.

Hoje, vou ao supermercado e quando passo diante dos produtos da Haribo, sinto-me compelida a comprar absolutamente todos, um de cada tipo, mesmo sabendo que dão cárie, fazem mal e custam caro. É como se eu tivesse que provar pra mim mesma que não tenho mais que dividir aquela miséria e sonhar com uma balinha uma vez por década. Imagine como se sentem os artista de axé, pagode, que nasceram muito mais pobre e ficaram muito mais ricos. Comeriam um urso vivo!
Eu sei, existem maneiras de comer de forma saudável e sem privações. O problema é que tenho vontade de dar um soco na cara de cada nutricionista que me diz que o ideal é 'cortar o pão, os doces e comer muita salada, verdura, frutas e proteína'. Ah, sei, tá boa, santa? Só que o mundo que construíram a nossa volta não oferece melão em fatias nas padarias. Ao contrário, em todo lugar tem saquinhos de baconzitos, fandangos, cheetos. Pepino e cenoura que é bom, nada.
As opções mais saudáveis são as barrinhas de cereais, mas depois das primeiras 25, você fica super enjoado.

A ciência busca incessantemente uma solução pra acabar com a obesidade, epidemia americana que já contagiou vários outros países, inclusive o Brasil. Os remédios são lançados o tempo todo, em geral com efeitos colaterais. O Xenical é um deles. Já vi apresentador de TV sair correndo no break pra chamar o primo do Ugo, o James Cagney, já vi colega de trabalho pular por cima das mesas de trabalho para encontrar o James.

Até o ACM estava tentando emagrecer com caminhadas e Xenical, o que valeu uma manchete que eu mesma criei para a capa do farofa: Eu sabia que ACM estava ca...ando e andando pelo Brasil!

Para resolver a vontade de continuar comendo e ficar magro ou magra, surgiu a lipoaspiração, medida drástica e cirúrgica que oferece riscos, sempre escondidos pela mídia, e resultados, sempre promovidos pela mesma. Há também as cirurgias para os obesos mórbidos, como a redução do estômago e, recentemente, uma bola de silicone que é colocada no estômago pra enganar o coitadinho. É como se o cidadão tivesse um dos peitos da feiticeira dentro da barriga, permanentemente. Deus me livre, bate na madeira, sai capeta.

Eu comecei minha luta para ser magrinha desde a adolescência. Naquele tempo, não se falava em anorexia, mas também não tinha fast-food pra piorar a vida dos jovens. A gente engordava com rabanada da avó, torta de maçã da tia, goiabada do interior, doce de leite mineiro e muito café com pão, café com pão, café com pão.
Logo percebi que meu problema não era apenas excesso de peso mas falta de estatura. Ser baixinha é um carma, uma maldição. Ser baixinha é estar condenada a passar a vida subindo em banquinhos, escadinhas e caixotes em busca da louça na prateleira mais alta. Porém, como é difícil resolver o problema da altura depois do fim da adolescência, o jeito é ficar magra para garantir a proporção.

Meu primeiro regime quase me matou. Aos 16 anos, cabendo em uma única calça azul marinho, minha mãe me levou a uma clínica por assim dizer. Era quase um matadouro. Davam remédios iguais para pessoas diferentes, não pediam exames, nada. O remédio era uma 'hóstia', recheada de bombas químicas para tirar o apetite, acalmar os nervos, curar mal-olhado e, ao que tudo indica, emagrecer olho-gordo.
Era o efeito sanfona, emagrece-engorda. Hoje, sei que isso mata mais do estabilizar num peso alto.

Na faculdade, aos 17 anos eu estava bem gostosinha. Não estava gorducha, nem magrela, estava bem. Passei oito inesquecíveis anos na Universidade de São Paulo, nadando dois quilômetros por dia, correndo pelo campus, fazendo aulas de tênis, yoga, ginástica olímpica e, claro, sexo. Mantive um peso bacana até os 23 anos. E depois emagreci mais ainda.

Em 1983, com 25 anos, eu fazia ginástica aeróbica cinco vezes por semana. Eu era a melhor da turma e ficava na frente, ajudando o professor. Fiz uma dieta super rigorosa à base de frutas e pesava 49 quilos.

Essa modinha dos anos 2000, eu já usava 17 anos antes, com top e saia de cintura muito baixa, deixando o umbigo de fora. Minhas saias eram muito, muito curtas, todas as três. Achei que ficaria magrinha pra sempre, mas enganei-me.
Aos 30 eu fiquei grávida e comi por todas as décadas anteriores. Fiquei uma pipa. Uma pipa feliz pois meu filho Gabriel me transformou em mãe, a coisa mais linda do mundo.

Na maternidade, em homenagem a ele, eu escrevi poemas, textos e até coisas engraçadas. Foi nessa época que eu concluí que mulher é uma coisa incrível, pois a mulher é capaz de verter sangue, suor, lágrimas e leite. Nem máquina de refrigerante tem tantas opções de sabor.

Eu estava gorda e feliz. Trabalhava na TV Cultura, era roteirista do Osmar Santos, amamentava o Gabriel em todo lugar e vivia sorrindo.

Quando parei de amamentá-lo e que fui me dar conta do que havia sobrado. Eu estava gorda e feia e queria me esconder do mundo. Comecei a usar roupas largas, muito vestido preto, muitas calças pretas. Mais duas camisas pretas e eu teria entrado pro clube dos urubús. Entrei num círculo vicioso de ficar feia e fazer tudo para piorar.
Até que conheci o Isaac, meu marido, meu amor. Naquele instante, eu quis ficar bonita instantanemante. Se eu encontrasse uma lâmpada maravilhosa teria roubado o corpo e a cara da Cindy Crawford pra mim. Nunca me esqueço, eu estava no programa Almanaque, na Rede TV e ele foi lá como convidado. Quando eu o vi, e olhei pra mim, com um vestido largo, preto, fechado no pescoço, até as canelas, eu quis morrer. Não, eu quis viver e quis ficar bonita.

Sem saber se ele se interessaria por mim, se me telefonaria, se eu o veria novamente, decidi arrumar o cabelo, fazer regime e comecei a correr no dia seguinte.
Durante todo o tempo em que namoramos, eu corri, corri muito. No melhor da minha forma, eu corria 22 quilômetros. Saía do meu sobrado no Alto da Lapa, corria até a USP e corria por toda a USP e voltava pra casa. Eu corria até em dia de chuva e tempestade. Fui ficando bem novamente.

Quando engravidei da Anita, minha filha como Isaac, eu estava pesando uns 52 quilos. Um mês depois que ela nasceu, estava com meu peso de volta, e com aquela cara iluminada de mãe.

Não sei quando foi exatamente que eu deixei as coisas degringolarem. Acho que quando fui demitida da Record. Nunca me dediquei tanto a um trabalho, nunca fiz um trabalho tão bom, nunca tive tantos telespectadores, fãs, admiradores, amigos e companheiros. E uma única pessoa, talvez duas, me apunhalaram pelas costas. Foi um golpe duro, que eu só consegui absorver com a ajuda de muitas e muitas jujubas.
Agora, reestruturada, mais calma e feliz, estou tentando voltar a ficar magrinha.
Já perdi cinco quilos e tenho seguido à dieta à risca. Até ontem eu poderia dizer com orgulho que não ingeri uma única molécula além da dieta. Mas antes da noite passada comi oito ursinhos Gummy da Haribo. E hoje, comi mais uns 4 ursinhos. Se o Ibama souber, vai me multar com mais uns 3 quilos. Não conta pra ninguém, tá?


Capítulo 12 - Variações de Humor


O humor varia. Depende. Muda. E de vez em quando sai pra comprar cigarros e não volta nunca mais.
Isso, na ficção, porque na vida real ele volta sempre, mesmo que chegue arranhado, arrependido, com frio e sem grana. Mas a nós, humanos, basta que o bom humor volte, não importa em que condições. A gente bota os pézinhos dele na bacia de água quente, oferece um chá, põe pra dormir e com a ajuda do bom Deus, na manhã seguinte ele já está lépido e fagueiro.

Meu humor cansa de si mesmo em algumas estações, sejam elas do ano, do trem, do metrô ou até mesmo em algumas estações de rádio e televisão. Meu humor de vez em quando sai pra dar uma volta sem avisar, pega as chaves do carro sem pedir licença e sai pra dar uma volta.

Outro dia, bateu meu carro por distração. Mas eu perdôo. O humor da gente é como um filho, a gente ama de forma incondicional porque sabe que sem ele não há continuidade para a vida.

Em geral eu não acordo nem de bom nem de mau humor. Acordo sem. Costumo dormir de cara para o travesseiro. Alguns analistas podem interpretar esse getso como uma tentativa diária de suicídio por asfixia mas no fundo é só pra deixar a barriga mais quentinha. E acordo com a cara toda amassada, dependendo da fronha. Não sei se as vendedoras nas lojas de roupa de cama tem esse dado incluso no treinamento, mas deveriam. Uma fronha que não amassa é essencial para a cara de quem dorme de bruços.
Quanto levanto da cama e vejo o que é que sobrou da noite anterior diante do espelho e encontro vergões que vão da bocheca à sobrancelha, já fico de mau humor. Mas nada que a água fria da torneira não aplaque. Mesmo porque o vergão acaba saindo.
Mais importante para o bom humor do que o travesseiro é o horário em que se acorda. No tempo em que eu levantava às 5 todo santo dia, o medo de perder o horário pra apresentar o programa ao vivo era tão grande que eu nem tinha tempo de prestar atenção no meu humor. Mas qualquer um que já perdeu a hora e acordou atrasado sabe que não há humor que resista ao relógio implacável.

O café da manhã influencia muito o humor da pessoa durante o resto do dia. Se você está num hotel com café incluso e vê aquele buffet farto cheio de frutas desconhecidas e sucos inexplicáveis, no meio de croissants, torradas, bolos e ovos mexidos, uma nuvem de felicidade imediatamente toma consta do seu instinto. Aquela visão matinal de comida leve, ao som do tilintar de talheres e tampas de travessas no rechaud abrindo e fechando, nos dá a certeza de que não vamos passar fome em momento algum. Mesmo que tudo desse errado, mesmo que você ficassem sem dinheiro ou que os restaurantes todos fechassem, você poderá comer o suficiente no café da manhã para passar o dia inteiro nutrido. E o humor está diretamente ligado à esta garantia, a certeza da sobrevivência.

Sim, porque, se você tivesse agora a mais absoluta certeza, a garantia dada por Deus em pessoa diante de você, de que sua vida chegará até os 100 anos, sem doenças, sem acidentes, sem privações, você não ía ficar mau humorado.

Esse sentimento chato que a gente tem, essa vontade de rosnar para o mundo, de morder a orelha do guarda que multa seu carro, vem dessa insegurança permanente que nos assola. A gente sai de casa e não tem certeza se o trânsito vai andar, se os colegas de trabalho vão tratar você com carinho, se os problemas vão ser resolvidos. Não tem certeza de nada. E ainda tem a sensação de que ninguém de fato no mundo se importa muito com você. Você está por sua conta, obra e risco. E o pic nic da vida poderá ser interrompido a qualquer momento por uma tempestade vinda de não sei onde. É isso que faz a gente produzir mais bile, mais líquidos amargos no corpo, interromper a boa digestão e ficar totalmente enfezado.

Meu bom humor sabe dessas coisas mas não está nem aí. Reage de forma infantil à coisas tolas e me deixa feliz por bobagens, às vezes, apenas por encontrar a tarrachinha perdida de um brinco. Por acertar um caminho melhor no trânsito. Por uma música velha que toca no rádio e me põe a cantar. É bobo, coitadinho, inocente. Mas é uma gracinha.

Quando estou de bom humor sou uma tetéia, um doce de coco. Cumprimento todo mundo, distribuo sorrisos, crio um microcosmo de felicidade ao meu redor e por onde passo, sinto que deixo um rastro de dentes à mostra. Nesses dias, sinto-me um ser abençoado, sempre cheio de amor e esperança para distribuir nas esquinas da vida. Cada ser humano que entra em contato comigo sente que é o mais especial do planeta e sai com energias renovadas do encontro. Porém...ah...e sempre há um porém, quando estou de mau humor...sai de baixo. Minha estupidez é mais feia que o Pedro de Lara. Atendo mal ao telefone, respondo os emails de forma malcriada e só não mordo porque não tenho vontade de chegar perto de ninguém os suficiente para cravar os dentes.
Infelizmente, e aqui, meu marido que o diga, de vez em quando 48 horas de TPM e entro nesse estado agressivo que é considerado até como atenuante pelas alçadas jurídicas, no caso da mulher cometer um crime.

Hoje, por exemplo, não estou de muito bom humor. Quer dizer, mais ou menos. Não tratei mal ninguém, não fui agressiva, talvez porque eu tenha me contido.
Há uma curiosidade porém, sobre o humor na profissão. Não preciso estar de bom humor para escrever humor. Aliás, ao contrário. Muitas vezes, quando estou no meu pior estado, consigo desovar todo meu sentimento no texto e acabo produzindo coisas muito divertidas. Tenho minhas próprias teorias sobre o humor, sobre o inesperado do texto. Uma delas é a de que o humor é um susto do bem.

Tem aquele susto que faz passar soluço, o 'bú!', curto e intenso que altera a respiração do assustado e assim, atrapalha o bom andamento da cadência do hic-hic. Há um tipo de humor assim, o de algumas piadas, que criam um caminho de compreensão no cérebro e, no final, assutam o raciocínio com outro desfecho. Uma piada típica dessa natureza é a da mulher que fica pedindo pro mordomo tirar a roupa. "Jarbas...tire minha saia".. E o mordomo "Mas madame!!!" E ela, Jarbas, tire minha camisa. E assim vai, jarbas tire meu sutiã, tire minha calcinha, Jarbas tire minhas meias. E aí no final, vem o desfecho: e da próxima vez que você vestir minhas roupas, Jarbas, você será demitido.

Esse é o humor tipo 'twist', um caminho torcido que enrola a sua cabeça. É igualzinha em estrutura à piada dos dois irmãos caipiras sentados no rio com os pés dentro dágua. E aí o primeiro vira pro segundo e diz: ô mano... jacaré comeu meu pé. E o outro irmão? - Ah, é? qual? e o um: Sei não, jacaré é tudo igual!
Esse tipo é muito usado na publicidade, especialmente nos comerciais de TV. Você é induzido a acreditar em uma coisa, aí vem a assinatura do produto e no final, você descobre que era outra coisa. E com um pouco sorte alguém ri no final.
Eu gosto de fazer rir. Eu sou a maior provedora de hahaha nos diálogos online. Fazer o outro rir é uma coisa muito boa. Quando faz muita gente rir, como no humor de rádio, então, é uma coisa indescritível. O humorista acaba viciando na risada do público e por isso, esforça-se para ser cada vez mais engraçado.

O tipo de humor que eu mais gosto é o do nonsense. O nonsense é aquele que produz imagens inverrossímeis, mais próximo do desenho animado, do cartoon do que da comédia propriamente dita. O nonsense é a liberdade total de criação, sem limite de tempo, espaço ou nexo. É ele que coloca a ervilha de castigo no cantinho olhando pra parede e vestindo calça jeans. É um pouco mais louco que o humor do exagero, do elefante e da formiguinha, do papagaio e do galinheiro.

Há também o humor construído, a partir da palavras erradas, como no personagem da Magda, do sai de baixo. Exemplos de expressões como 'das malas a menor', 'eu vou chupar o pau da barraca', 'me pegou de enxofre', ou, 'estou surpresa, você me pegou assim, de chupetão'. É a burrice que faz com que o detetive pegue a arma e descubra as se as suas depressões genitais estão no cabo.

A burrice sempre fez parte do humor. Mas para escrever coisas muito burras é preciso pensar coisas muito inteligentes. Porque é um humor arquitetato, planejado, com a cadência e o tempo certos.

Não sei se existem muitos livros que teorizam sobre o humor mas eu gostaria de escrever um assim, analisando os textos engraçados, criando categorias para as diferentes piadas.

Um dos estilos de piadas que eu mais gosto é a do tipo americano, que vai...chega a uma coisa engraçada... e quanto todo mundo ri, dá mais uma pra arrematar. Um exemplo adaptado para muitos países e pessoas. Vamos contá-la no original, que era sobre um presidente americano, o Ronald Reagan. O cara chega, diante das pessoas e diz:
-eu tenho uma notícia muito triste. Trágica. Acaba de acontecer um incêndio na casa do Presidente Ronald Reagan. Pegou fogo na biblioteca dele e, pelo que parece, foi perda total. O fogo consumiu todos os dois livros que ele possuía. E infelizmente, ele ainda nem tinha acabado de colorir o segundo.

Na mesma linha, tem aquela da loira que pergunta o que dar de presente ao namorado e a pessoa sugere: 'um livro'. E a loira responde: Livro? Mas ele já tem um!
É chato dar presente repetido!

Se você pesquisar, vai ver que todas as piadas antes atribuídas à burrice de portugueses, poloneses, agora são atribuídas à loiras. Há também, entre os americanos as piadas do tipo Yo Mamma, que é para xingar a mãe. São sempre ligadas à ofensas como obesidade, do tipo 'sua mãe é tão gorda que ela tem o próprio CEP'. Os americanos acham graça nas ofensas, um humor bem pueril.
O humor dos ingleses é muito diferente, cheio de fleuma e em geral, com um tipo de graça que não arranca risos mas apenas, faz a gente esticar os lábios. Já é alguma coisa.

Aqui no Brasil, faz muito sucesso o humor circense, aquele do Chaves, dos Trapalhões, dos Três patetas. É infantil, de fácil compreensão e no fim, é engraçado pra chuchu. As crianças adoram e os adultos, morrem de rir.



<< Home

Powered by Blogger